sexta-feira, 26 de abril de 2013

da jardinagem


Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar.

         José Saramago



Amar não é só um sentimento, é um dever. Um dever a que no fundo não nos sentimos obrigados por que o queremos, como uma criança gulosa que abranda a fome com um gelado suculento ou um banho de imersão ao fim do dia.
Por isso, cada amor que escolhemos para a nossa vida é, como nos ensinou o Principezinho, uma rosa que acrescentamos ao nosso jardim e da qual devemos cuidar, com ternura e atenção, não porque o relógio nos lembra que temos de a regar, mas sim porque a nossa preocupação em mantê-la viva e bonita é tão grande, que o nosso respirar ritma essa lembrança. Não, não é exaustivo. Não é desgastante, nem aborrecido, nem nos deixa os nervos em franja, nem nos faz sentir pressionados ou alguém a quem se exige demasiado. Se faz, está errado; porque a ideia de amar alguém e ter por essa pessoa toda a dedicação, é sentir-se amado de volta, sem obrigações, apenas vontades.
É, de facto um dever. Mas escolhemos, de nossa livre vontade, esse mesmo dever. Porque ao amarmos alguém estamos implicitamente a fazer uma promessa - que não deve ser de todo leviana - connosco e com a outra pessoa, de que não a deixaremos sozinhas nunca. De que  faremos tudo ao nosso alcance para a fazer feliz e sermos felizes com ela. De que, por muitas más marés que surjam, iremos velejar num mesmo barco, ainda que sem rumo, ainda que confusos, sempre, sempre juntos.
Porque se amamos alguém e isso é para nós uma certeza, tudo o resto tem de o ser também. E todos os sacrifícios serão apenas arranhões sem cicatrizes, implícitos no amar, no querer bem. Pois para cada arranhão haverá um carinho de alento, e todos nós, os eternos apaixonados, sabemos que um beijo cura tudo.
Descobri hoje que apenas me apercebi de que te foste pelas unhas que cresceram, pela raíz do cabelo pintado, pela embalagem de pílula que acabou. Descobri que te foste pelo tempo que entretanto se transformou numa muralha e que me fez crescer mais um pouco com a queda.
É a rotina que me ensina, diariamente, a viver sem ti, ainda que eu já o fizesse implicitamente desde que quebraste a tua promessa. Agora, é o tempo que me lembra, ocasionalmente, de que te foste, quando passo naquelas mesmas ruas, olho o mesmo céu, respiro a mesma cidade. É o tempo que me beija os arranhões, na tua ausência. E eu sei que tudo vai ficar bem, porque sempre soube cuidar bem da minha rosa e resgatei-a a tempo, para a plantar de novo e dar-lhe a oportunidade de uma vida mais longa.
As pétalas caídas, no entanto, vão ficar sempre no teu jardim, a lembrar-te da promessa que não cumpriste, do dever que não acataste, da escolha que escolheste não fazer, por cobardia.
Porque não foi o amor que acabou. 
Foste tu que não cuidaste do que quiseste chamar teu.






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