Dei-te tudo. Mesmo aquilo que não sabia existir em mim, foi criado para ti, para que nos completássemos, para que fosses feliz, fossemos felizes.
Mataste-me. Incendiaste a ternura em prol de um orgulho doente, de uma personalidade desfalcada e um jeito torto de existires num mundo com mais corpos de gente feliz, tudo por medo.
Não soubeste amar-me, cuidar-me, proteger-me. Deixaste-me demasiadas vezes ao relento; ainda que eu sempre tenha lá ficado por vontade própria, deverias ter insistido em levar-me para um porto seguro.
Mataste-me. E de cada vez que encontro o fundo dos teus olhos, só me apetece apunhalar-te pelo quanto me roubaste.
Como é que podemos prometer o mundo quando não temos nada para oferecer? Como é que podemos amar alguém e não sabermos que amá-lo implica para sempre?
Dei-te tudo e fiquei vazia, podre, amarga. Sou a carapaça dos sonhos que perdi e agora restam-me as fotos queimadas, no fundo de um baú que é a nossa história morta, e os ecos das gargalhadas e dos bocados de amor que me sobraram.
Mataste-me. E morro um pouco mais todos os dias em que o eco da tua voz me lembra o quanto te quis fazer feliz, o quanto lutei diariamente para que fossemos mais, melhores, um. Deixei que me fizesses tão mal, que tão cedo não deixarei que ninguém me faça bem. Mataste-me.
Não entendas esta carta (que não lerás) como demonstração de saudade, porque esta carta é para mim e não para ti.
Esta carta é para o eu que existia antes de te conhecer e pensar que podia construir um mundo contigo nele; esta carta é para o que restou de mim, para uma qualquer parte que ainda não tenha morrido.
E aqui não se fala de saudade. Falo, sim, de não me saber capaz de um amor tão maior até perceber o quanto estava disposta a atravessar oceanos e decapitar dragões por ti. Falo de ter crescido, por ti, e de ter percebido o quanto, por oposição, minguaste.
Agora resta-me lamentar não ter fechado a porta mais cedo. Ter-te dado tantas oportunidades para me fazeres, nos fazeres, felizes e acabar sempre eu a limpar-te as feridas. Ter voltado para ti mesmo sabendo que me matarias de vez, eventualmente.
Uma mulher quando ama, é muito burra. Porque a burrice está implícita no amor, onde por sua vez está implícita a confiança. E eu não consigo amar de outra forma que não confiando cegamente - existirá realmente outra forma?
O eco da tua voz, o toque, o fundo desses olhos que me mentiram tanto tempo, porque não cuidaram de amar o que cativaram. Mataste-me. E morro um pouco mais em cada noite que te despedes e eu, em silêncio, me afasto, passo a passo, lentamente, desta história moribunda.
Todas as histórias, mesmo as de homicídio, merecem respeito e consideração, merecem existir no respectivo lugar na prateleira das memórias... Mas um criminoso nunca se arrepende verdadeiramente - e é por isso que o maior crime será sempre o que cometemos contra nós mesmos. Matei-me.
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