sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

das casas vazias

Há uns tempos percebi que não me conseguia lembrar da tua voz.
Por muito que tentasse simular conversas, repetir declarações, tentar até escutar o som da tua gargalhada lá no fundo do baú, percebi que já não possuía essa memória tua.
Aos poucos fui perdendo tudo: o toque, o cheiro, o brilho do olhar. Como uma casa de onde os donos se mudam e vão aos poucos empacotando caixas, empilhando momentos, embrulhando (em papel de bolhinhas daquelas de estourar) o que mais querem preservar de quedas e destroços.
Um dia a carrinha das mudanças veio e levou tudo. Sobraram só as paredes, com os pregos onde outrora havia quadros, as rachas no tecto e as manchas de humidade, a tinta a ser comida pelo tempo que teima em passar tão devagar quando o queremos acelerado.
Não sei para onde foste. E não falo fisicamente, porque disso não pretendo nem saber - decidi há muito tempo que fossemos caminhos separados, linhas de carris que correm paralelas sem nunca se cruzarem, Mas para onde foste tu dentro de mim? Não é suposto o amor ser para sempre, nem que seja só um bocadinho? Onde está tudo? Aquilo tudo?
Tenho uma caixa com memórias que nunca mais abri por já não fazerem sentido. Talvez se ainda ouvisse no eco da tua voz o meu nome, talvez tivesse saudades do que foi e tentasse revivê-lo aos poucos, nestas noites frias, abrindo a tal caixa onde (e disso ainda me lembro) está um bilhete teu que diz que me tens debaixo da tua pele, como o Sinatra.
Acho que essa é finalmente a única memória que ainda não consegui desprender de ti,  último sopro de vida: a música dele. Mas já não nos vejo aos dois a dançar na tua sala, às gargalhadas a evitar dizer o 'I Love You' no  Fly me to the Moon. (Talvez devêssemos mesmo ter evitado dizê-lo e tudo teria sido mais fácil.) Vejo duas sombras distorcidas, sem voz nem toque nem cheiro nem expressão nem nada. Foi-se tudo.
Outro dia perguntaram-me se estava bem. Estou de facto muito bem e equilibrada como não estava há muito tempo. Gosto de mim, da minha vida profissional, dos momentos com familiares e amigos e dos novos projectos. E de mim, tudo para mim neste momento.
O que mais assusta não é as pessoas que vamos separando de nós nem o facto de seguirmos em frente. Assusta sim ver os sentimentos que tudo foram desvanecerem tão rapidamente que não sabemos como vamos ser capazes de acreditar novamente. Assusta a forma trôpega como se põe fim a histórias que julgávamos tão bonitas. Se aquilo era tudo, o que é que sobra?
Há uns tempos percebi que não me conseguia lembrar da tua voz. E por muito que realmente me passe ao lado a tua memória no dia-a-dia, gostava de ter conseguido guardar com carinho o que fomos, para contar essa história aos meus (não nossos) netos, como prometemos um dia.
Infelizmente, tu não mo permitiste.
E por ter mais uma casa vazia, tenho mesmo muita pena.







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