O que é que eu faço com tudo o que tenho cá dentro?
Ora foda-se, lá se foi a teoria de ter deixado de fazer perguntas.
Quando tudo acaba e ficamos pior que o deserto das arábias depois de bombardeios islâmicos, é suposto fazermos o quê? Reconstruirmos alegremente toda a estrutura e após meses e meses a alimentarmo-nos de algo positivo para conseguirmos voltar a sorrir convenientemente, deixar tudo à mercê do cabrão do destino para explodir de novo? E se eu não quiser reconstruir-me? E porque é que estou a escrever como se te tivesse aqui à minha frente a discutir?
O que é que eu faço com a caixa, com as memórias, com o livro que não me cabe na estante, com a deficiente da matricula? Com as fotos a passear no telemóvel que não quero apagar para ser forte, mas que me enfraquecem a cada dia? E os lacinhos?, a merda dos lacinhos de que tu tanto gostavas e que agora nem me apetece pôr no cabelo porque perderam todo o significado! Já para não falar de prendas idiotas de 1dólar que encomendei no ebay e que escondi nas gavetas mais refundidas para não ter de me lembrar todos os dias de que não tas vou oferecer.
Tudo perdeu significado entendes? Já não me apetece fazer um Redvelvet porque me vou sempre lembrar da fatia que te guardei, ou beber Desperados nem Beirão sem ser no teu sofá.
E todos os dias as músicas me revisitam, a gozar comigo. Ainda hoje entrei numa loja e estava a dar Ed Sheeran e eu juro que não comprei o que ia comprar porque temi começar a chorar em frente à menina da caixa.
O que e que eu faço? O que é que eu faço com tudo o que sobrou e que vai desaparecer e se vai tornar em nada? Tenho tanto medo que nós nos tornemos em nada. Dói-me antecipadamente a certeza de um dia me esquecer dos teus traços, do teu cheiro, da forma como falavas comigo ensonado de manhã. Não consigo suportar a certeza de que um dia amarás outra, amarei outro, seremos memórias desfiguradas de um passado distante, e ao cruzarmos o mesmo passeio vamos sorrir educadamente um para o outro, 'olá, tudo bem?' e seguir com a vida em diante sem cheiros nem toques nem amor.
Por outro lado, adormeço entorpecida na dúvida de que algum dia tenhamos existido. Não consigo conceber amor com tanta cobardia e por isso passeio-me entre o limbo da certeza de um dia te esquecer e a dúvida de algum dia te ter lembrado.
Será que fomos realmente? O que é que eu faço com as dúvidas?
O que é que eu faço quando todos os dias me lembro do que foi perder-te e isso me dói tanto que acabo por me esquecer de que te tive? Como é que se combatem os corações partidos?
Eu sei que o meu já não tem conserto, de tantas vezes ter sido consertado.
Mas eu merecia melhor, nós merecíamos melhor - tu sabes. Tu sabes que não os devíamos ter deixado vencer.
E talvez o meu erro tenha sido depositar em ti essa tarefa de me fazeres feliz, mas vou cometê-lo novamente: preciso que o teu fantasma abandone as minhas ruínas, porque não adianta que me esperes, não adianta que me ames, não adianta que continues aí. As palavras não vão conseguir resolver o que nós não conseguimos pôr em prática. Talvez o amor não seja de facto suficiente. Ou talvez um amor assim seja apenas para ficar na história. Não sei. Sei sim que não consigo continuar com tanta bagagem numa mala tão pequena, tão atrofiada, a sorrir todos os dias ''boa noite tem cartão ...?'' e a querer chorar de cada vez que um cd me passa pelas mãos ou que alguém diz o teu nome.
Sei também que tudo o que senti foi real, existiu, e tu estavas lá comigo, mas talvez as minhas expectativas face ao que tu sentias tenham sido irreais e isso tenha sido o que me matou.
Eu vou ficar bem, tu vais ficar bem, não havia outra solução e o tempo vai passar. Mas por agora só gostava de saber o que fazer com isto tudo que sinto, porque me parece tão idiota tudo isto que a única explicação que encontro é novamente ao refugiar-me na certeza de que quem ama não age assim, nem boicota a própria felicidade.
Percebi no fim que, apesar de não termos uma música - como me perguntaste naquela última longa viagem de carro - temos uma playlist tão esquizofrénica quanto o que nós próprios acabamos por sentir. Talvez, quando o tempo fizer o seu trabalho, eu consiga voltar a ouvir todas estas músicas com um sorriso e pensar de forma diferente acerca de uma história que um dia juramos contar aos nossos netos. Só te desejo o melhor, espero que disso ao menos tenhas certeza. Stay safe.
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