quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

das pausas

Percebemos sempre, mesmo quando até a nós mesmos mentimos, escolhendo acreditar que o que acontece à nossa frente não é de todo a verdade.
Percebemos sempre. Quando nos mentem. Quando nos querem. Quando nos deixam. 
Percebemos sempre, mesmo quando nem os outros percebem.

Há dias acordei com uma dor de cabeça tão grande que quase pude jurar ter o peso do mundo nos meus ombros, culpa das noites mal dormidas, culpa do mal que ando a fazer, culpa desta solidão filha da puta e desta falta de orientação e do medo pelos dias que correm.
Tenho vinte e três anos e estou sozinha. Vivo com os meus pais por que até de os deixar tenho medo. Adoro os meus amigos, mas há coisas que nem a eles consigo contar, de tão assustada que fico com o meu ser retorcido. Não vejo os meus sobrinhos tanto quanto gostaria e tenho saudades de ter um animal. Um animal não, um cão.
O último animal que tive durou um ano e meio na minha vida e cortou-me o coração com uma tesoura de bicos redondos, daquelas que damos às crianças, mas por fora do picotado. E fiquei com o peito desfeito, estraçalhado, com um sorriso fantasma e um olhar vazio durante meses. A verdade é que com todo o tempo que passou, já não consigo sentir nada de bom ou mau. E agora reconheço que nem a infelicidade dele me poderia fazer mais feliz: não me alimento do mal dos outros e nem me lembro que ele existe – só quando muito ocasionalmente me apercebo de que poderia ter conhecido e amado um Homem a sério, e nunca o fiz.
Em vez disso escolhi-o a ele, e isso faz de mim uma péssima pessoa no que toca a decisões. Quando nos enganamos desta forma ficamos a repensar tudo o resto que decidimos, pondo em causa até a cor do vestido, o ir a pé em vez de metro, o Martini em vez da vodka. Quando nos enganamos, ficamos sem chão – e temos medo de ter de voltar a decidir.
Neste momento estou (sou) assim, uma mulher-prateleira. Por não querer decidir nada, tenho o mundo à espera. Como fones nos ouvidos com o iPod em pause. Como um corpo adormecido, sem qualquer tipo de sensações a percorrerem-no. Como um carro que trava a fundo numa passadeira, mesmo sem ter nenhum peão para a atravessar.

Porque nós percebemos sempre o que se passa... Com os outros.

Sem comentários:

Enviar um comentário